segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ossip Mandelshtam

A Era

Minha era, minha fera, quem ousa,
Olhando nos teus olhos, com sangue,
Colar a coluna de tuas vértebras?
Com cimento de sangue - dois séculos -
Que jorra da garganta das coisas?
Treme o parasita, espinha langue,
Filipenso ao umbral de horas novas.

Todo ser enquanto a vida avança
Deve suportar esta cadeia
Oculta de vértebras. Em torno
Jubila uma onda. E a vida como
Frágil cartilagem de criança
Parte seu ápex: morte da ovelha,
A idade da terra em sua infância.

Junta as partes nodosas dos dias:
Soa a flauta, e o mundo está liberto,
Soa a flauta, e a vida se recria.
Angústia! A onda do tempo oscila
Batida pelo vento do século.
E a víbora na relva respira
O outo da idade, áurea medida.

Vergônteas de nova primavera!
Mas a espinha partiu-se da fera,
Bela era lastimável. Era,
Ex-pantera flexível, que volve
Para trás, riso absurdo, e descobre
Dura e dócil, na meada dos rastros,
As pegadas de seus próprios passos.

(1923)

Tradução de Haroldo de Campos

ARKADII DRAGOMOSHCHENKO

Para falar de poesia

Falar de poesia é falar do nada
ou possivelmente de algumas raias externas
(onde a língua se devora)
discernindo ou determinando um desejo
penetrar este nada, uma lei, um olho
para encontrá-lo em si mesmo, presente em nada
Impossível !
A morte não pode ser trocada por outra coisa.
Sinceridade – é o processo insaciável
de transição, de flutuação, em sentido oposto,
ou seja, eu-te-amo-não-te-amo
desaparece à beira da consciência
Não há mais tempo para a expressão
Eliminada pela simultaneidade
Onde achar um homem dançando como uma vela?
Escute, como o segundo milênio
a água avança sobre as margens – algas
A pétala-da-abelha seca seus lábios: pó em seus pés
seus quadris e ombros expostos
Lembro-me do tempo quando a lâmpada de querosene
noite fria o lilás brilhava verde, como um nervo
O halo da chama do querenosene, um hemisfério esmeralda
atraía mariposas do escuro.
O arco zênite de agosto, uma foice estrelada,
revelando os traços honestos da matéria,
pálpebras rasgadas.
Uma tela e letras, esta é a estória,
arquivo pulsante do nadir e nele, como a queima
de mariposas,
a descrição da noite aparece. Os ramais
do jardim pegam fogo,
campos magnéticos de palavras aparecem, tensos,
entrelaçados ao nada. O que mais posso falar!
O que mais dizer?
Deslizando dentro de você, no delta no meio do rio
abrindo-se, como um arco,
cuja corda está corroída
pelo silêncio.

(Traduções: Régis Bonvicino)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

um poema de Dylan Thomas

A MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL


A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade;
cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração; duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país;
estes cinco reis levaram a morte a um rei.

A mão soberana chega até um ombro descaído
e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo gesso;
uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte
que pôs fim às palavras.

A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre,
e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;
maior se torna a mão que estende o seu domínio
sobre o homem por ter escrito um nome.

Os cinco reis contam os mortos mas não acalmam
a ferida que está cicatrizada, nem acariciam a fronte;
há mãos que governam a piedade como outras o céu;
mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

um poema de Cummings

na estrênua brevidade
Vida:
realejos e abril
treva, amigos

eu me lanço rindo.
Nas tintas fio-de-cabelo
da aurora amarela,
no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando
deslizo. Eu
na grande viagem escarlate
nado, dizendomente;

(Você sabe?) o
sim, mundo
é provavelmente feito
de rosas & alô:

(de atélogos e,cinzas)