quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O que é escrever? (I)

Escrever é um ato de resistência.

Escrever é um ato poético.

Escrever é desvelar o imaginário.

Escrever é escrever o perdido, o indizível e a impossibilidade de captar e recuperar as coisas do outrora, a tentativa de recuperar o primeiro grito, não só as coisas em sua novidade, mas o momento do antes, a palavra aquém da linguagem, as coisas que brotam e que são fonte da linguagem. Ou em outras palavras: a linguagem afetada pelo silêncio é o ninho. Como o visível afetado pela obscuridade é o sonho.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

aos ventos radiantes de tua linguagem

Não te escrevas entre os mundos
Ergue-te contra a variedade dos sentidos
Confia no rastro das lágrimas
E aprende a viver.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Henryk Górecki



Conheci o compositor Henryk Górecki por acaso quando encontrei um disco do selo Naxos em uma loja escrito "new polish composer". Dei uma olhada no folder e fiquei interessado. Comprei no escuro sem saber o que encontraria ali. Tratava-se de uma coletânea das principais obras do compositor polonês: "Sinfonia No.3" e "Three pieces in old style". Fiquei estupefado. Parecia que eu ouvia um monastério ali, repleto de linhas melódicas lamentosas com osbcuros e nostálgicos acompamentos de orquestra.

Górecki faleceu hoje aos 76 anos. Foi um compositor contemporâneo que a maneira de Carl Orff compunha inspirado pelo antigo, sem medo do tonalismo e do empréstimo dos estilos que caracterizavam a música antiga. Górecki fazia música séria. Porque séria? Porque a dor que elas comportam e transportam são de outro mundo que não esse aqui das nossas ocupações e preocupações ordinárias. Elas disparam um tempo antigo que ressoa e se faz atual em nós. Uma dor impessoal mas universalmente humana. Músicas que comportam uma dimensão do sagrado. Esse sagrado, para além de qualquer dogma ou religião e que se encontra tão fracionário e apagado de nossas vidas.

O antigo não é o passado. Ele é o que não é contemporâneo. Ele é a diferença, o diferente. O museu de coisas antigas não é o velho morto arquivado e catalogado. Ele é o espaço do horror, da descoberta, do diferente, de uma re-visão do novo. O diferente nos revisita. O antigo nos invade e vaza os olhos com nascentes.

Há uma passagem no I Ching que define a música como "a emoção mais profunda a qual não podemos conhecer". As pequenas dores falam. As grandes calam e apenas reverberam. Acho que a música de Górecki me causa essa re-descoberta e sensação.  Relembra em mim um lugar recôndito do viver e do sofrer, um sentimento especial ao qual não podemos esquecer. Mas acontece que nós sempre esquecemos e o refutamos e, de alguma forma, em algum lugar e hora, ele retorna em nós sonoramente.  E, nesse estado de estremecimento, nós experimentamos o sentimento do  frágil da vida, do perecimento e do morrer. As intermitências da morte. Aprendemos um pouco mais co o ciclo vida-morte-vida, nos tornamos um pouco mais experientes com a dor. Quem sabe talvez com reforços interiores. Talvez com mais humildade. Talvez com mais fé e mais aspiração.      

Música e literatura: "The dead" e "In a Treeless Place, Only Snow"



 “(...) O ar gélido do quarto fê-lo estremecer. Deslizou cautelosamente sob as cobertas e acomodou-se ao lado da esposa. Um por um, estavam todos se transformando em sombras. Seria melhor precipitar-se na morte no apogeu de uma paixão, do que extinguir e murchar lentamente com a velhice. Pensou como aquela mulher, adormecida a seu lado, ocultara por tantos anos a imagem do seu amado a afirmar-lhe que não queria viver.

Pranto generoso invadiu-lhe os olhos. Nunca se sentira assim por uma mulher, mas sabia que isto era amor. As lágrimas cresceram nos olhos e ele imaginou ver na penumbra do quarto um jovem parado sob uma árvore encharcada. Outras formas pairavam. Sua alma acercava-se da região habitada pela vasta legião dos mortos. Pressentia, mas não podia apreender suas existências vacilantes e incertas. Ele próprio dissolvia-se num mundo cinzento e incorpóreo. O mundo real, sólido, em que os mortos tinham vivido e edificado, desagregava-se.

Leves batidas fizeram-no voltar-se para a janela. A neve tornava a cair. Olhou sonolento os flocos prateados e negros, que despencavam obliquamente contra a luz do lampião. Era tempo de preparar a viagem para o oeste. Sim, os jornais estavam certos: a neve cobria toda a Irlanda. Caía em todas as partes da sombria planície central, nas montanhas sem árvores, tombando mansa sobre o Bog of Allen e, mais para o oeste, nas ondas escuras do cemitério abandonado onde jazia Michael Furey. Amontoava-se nas cruzes tortas e nas lápides, nas hastes do pequeno portão, nos espinhos estéreis. Sua alma desmaiava lentamente, enquanto ele ouvia a neve cair suave através do universo, cair brandamente - como se lhes descesse a hora final - sobre todos os vivos e todos os mortos.”
James Joyce: "Os mortos" em Dublinenses (trad. João Silvério Trevisan)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

‎6 características típicas do hábito burguês:

1. recusa de qualquer tipo de sofrimento ou desconforto. que seja sentir frio, calor, rejeição, solidão, cansaço ou escassez. tudo tem que oferecer prazer.

2. mínimo esforço. comodismo. tudo ao alcance das mãos. preguiça.

3. acumulação. ostentação. para existir e se sentir protegido se cerca de um tanto de quinquilharias.

4. a estética do fofo. do pelpudo. do confortável. a comida, o vestuário e a decoração tem que ser fofas.

5. medo de arriscar. medo de mudanças. super protegido que gera super proteção. tudo precisa ser familiar.

6. individualismo, egocêntrismo. com a característica de demandar e exigir dos outros as principais carências e necessidades, sejam elas psíquicas ou de ordem material.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Latcho Drom

Latcho Drom, documentário aúdio visual musical, dirigido por Tony Gatlif.  Registra uma viagem durante um ano, do verão ao outono e do inverno à primavera, de diversos grupos ciganos nômades, desde a Índia até a Espanha, passando pela Turquia, Romênia, Hungria, República Tcheca, Alemanha e França. Por intermédio de rituais coletivos – que valem não pela codificação que instituem, mas sim por reunir pessoas a fim de compartilhar experiências individuais com a comunidade –, os quais se manifestam na música e na dança. Gatlif, com fé e alegria juvenis, acaba por celebrar a vida, que explode em cores, ritmos, movimentos e energia