quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Into my arms...

o que é a música, afinal?

O mestre violoncelista reconhece a destreza de seu discípulo com os instrumentos musicais, mas diz para ele: "Você nunca será um músico", pois ser músico e tocar música são coisas diferentes, e a música não é feita para agradar ao rei ou ao mundo. É a história do mestre e seu discípulo que teve de descobrir a perda e as lágrimas para se tornar um músico. Isso o mestre não tem como ensinar, embora possa dar algo.
E Sainte-Colombe lhe deu as lágrimas com sua obra Le tombeau des regrets – "O túmulo das lamúrias".

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

As orelhas não têm pálpebras


"Todo o som é o invisível na forma do perfurador de envelopes. Que se trate de corpos, de quartos, de apartamentos, de castelos, de cidades fortificadas. Imaterial, ele atravessa todas as barreiras. O som ignora a pele, não sabe o que é um limite: ele não é nem interno nem externo. Ilimitante, ele é inlocalizável. Ele não pode ser tocado: ele é impalpável. A audição não é como a visão. O que é visto pode ser abolido pelas pálpebras, pode ser impedido pelo paravento ou pelo reposteiro, pode se tornar imediatamente inacessível pela muralha. O que é orelha não conhece nem pálpebras, nem paraventos, nem reposteiros, nem muralhas. Indelimitável, dele ninguém pode se proteger. Não existe ponto de vista sonoro. Não existe terraço, janela, torre, cidadela, ponto de vista panorâmico para o som. Não existe sujeito nem objeto da audição. O som penetra. Ele é o estuprador. O ouvido é a percepção mais arcaica ao longo da história pessoal, antes mesmo do cheiro, bem antes da visão, ele se alia à noite.

Acontece que o infinito da passividade (a recepção forçada invisível) se baseia na audição humana. É o que resumo nesta frase: As orelhas não tem pálpebras.

Ouvir é ser tocado à distância.
O ritmo está ligado à vibração. É por isso que a música torna involuntariamente íntimos os corpos justapostos".

domingo, 27 de setembro de 2009

Insanidade máxima 7

Insanidade máxima 5



Insanidade máxima 4 "Lila Says"

Insanidade máxima 3


As Sereias 


São as sedutoras vozes da noite: também assim cantavam as Sereias… Não fora de justiça, para com elas, atribuir-lhes o deliberado propósito de seduzir: elas bem sabiam que possuíam garras e nenhum seio fértil, e disso lamentavam-se em altas vozes — mas não tinham culpa de soarem tão belos os lamentos.

(Franz Kafka)

sábado, 26 de setembro de 2009

Insanidade máxima 2

John dos Passos no romance "1919" escreveu:
"As mulheres são atraídas pela força".

Insanidade máxima 1

Cuidado. Elas matam...

Hora Grave


Ontem eu lembrei-me de você e as lágrimas escorreram muito porque tu não vens e tudo me ameaça. Tu está longe e eu carrego-te comigo. Coração, onde?

Hora Grave

Quem agora chora em algum lugar do mundo,
Sem razão chora no mundo,
Chora por mim.


Quem agora ri em algum lugar na noite,
Sem razão ri dentro da noite,
Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
Sem razão caminha no mundo,
Vem a mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,
Sem razão morre no mundo,
Olha para mim.

(Rilke)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009



criar, encantar...

Todo ser humano que cria é um justo. De que maneira sua arte justifica o artesão? O homem que cria sua coisa ainda inexistente é justificado pela emoção imprevista que ele sente olhando o que ele fez outrora.

Quando inventamos, a surpresa da invenção escapa, já que nós a preparamos e que a ajustamos. Mas o tempo passa. E, quando não conservamos a memória da sua fabricação laboriosa, ela nos surpreende. Esse destino onde as fontes se confundem nos aproxima da impetuosidade da fonte. É essa proximidade do caos que nos julga. É o nosso único juiz.

Na realidade não podemos nos dar o mérito da alegria que ela nos trouxe em retorno. O que nos consola no que fizemos não é o reconhecimento dos homens, nem o momento da venda e o lucro resultante, nem a admiração de alguns, mas a espera desses retornos imprevisíveis.

Não é um outro mundo ou ou uma posteridade nos séculos que nos animam: é esse esquecimento do que nós fizemos e que nos volta como uma nova luz, que promete à nossa vida um curto-circuito de pasmo e aniquilamento de nós mesmos. São os êxtases.

É uma felicidade para nós nos perdemos em nossas obras. Os dias passam então a uma velocidade do raio que cai. Então choramos lágrimas que não nos são mais pessoais e que se escoam no primeiro Dilúvio que os deuses ensurdecidos enviaram. Nós nos naufragamos.

Há pessoas que vão ao mar com um pequeno vento e atravessam o mar: eles o fazem mas não o atravessam.

O mar não é uma superfície . Ele é de alto a baixo o abismo.

Se quiseres atravessar o mar, naufragas.

criar é tornar-se livre e responsável...

"Diante de uma obra, o homem começa a entender a própria voz que levou o artista a criá-la. Quando o encontro é bem sucedido, o homem vive, então, uma verdadeira reviravolta purificadora. As espécie de aura que une a obra-prima a seu espectador realça as melhores facetas de seu caráter, ao mesmo tempo que ele sente o desejo de exteriorizá-las. É então que descobre a si mesmo. Esses alguns instantes revelaram-lhe o abismo de suas potencialidades e a profundidade de suas emoções."

(Tarkovski – “Esculpir o tempo” - 1989, p.43)



quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O melos, as melodias humanas

Nós nos sentamos numa poltrona. Secamos antiquíssimas lágrimas já que elas são mais antigas do que a identidade que nós nos inventamos. Entre duas maneiras de dizer: "Nós ouvimos música", "Nós secamos lágrimas semelhanes às de São Pedro", acho mais exata a segunda fórmula.
O vestígio anuncia o tempo que fará.
Certos sons, certas cantilenas dizem que o "tempo antigo" faz atualmente em nós.
Cantilenas se incrustam com tanta prontidão no coração dos homens quanto a ferrugem no ferro.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Poemacto: O ator

O actor acende a boca. Depois os cabelos.

Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

(Herberto Helder - Poemacto)

Andrei Tarkovsky

Entrevista com Andrei Tarkovsky

Itália, 1985.

(Enquanto caminha por um bosque):

- Andrei, o que é arte?

- Antes de definir arte, ou qualquer outro conceito, temos que responder uma questão muito mais ampla: Qual é o significado da vida do homem na Terra? Talvez nós estejamos aqui para nos enriquecer espiritualmente... Se a nossa vida tende a este enriquecimento espiritual então a arte é um meio para se chegar a isso. Digo isto naturalmente, de acordo com a minha definição de vida. A arte talvez deva ajudar o homem neste processo. Alguns acreditam que a arte possibilita o homem a conhecer o mundo como qualquer outra atividade intelectual. Não acredito nesta possibilidade de conhecimento. Eu sou quase um agnóstico. Conhecimento distrai-nos de nosso principal objetivo na vida. Quanto mais sabemos, menos sabemos: o nosso horizonte se torna mais profundo ficando mais estreito. Arte enriquece as capacidades espirituais próprias do homem e ele pode, então, superar-se e usufruir o que chamamos de "livre vontade".

- Tarkovsky, o que você gostaria de dizer aos jovens?

- Hmm..talvez...aprender a amar a solidão. A meu ver o problema com os jovens é que muitas vezes suas ações são agressivas e “ruidosas”... talvez para não se sentirem solitários...e isso é uma coisa triste. O indivíduo deve aprender a estar bem consigo mesmo...como uma criança...e isso não significa estar só: significa apenas não ficar aborrecido consigo mesmo, o que é um sintoma muito perigoso, quase uma doença.

- Tarkovsky, você teme a morte?

- Não. A morte não existe para mim... Não sei... Eu uma vez sonhei que estava morto e foi tal alívio! Essa incrível leveza e liberdade! Esse sentimento de liberdade e leveza me fez acreditar por um instante que eu estava morto. Ou seja, livre de todos os laços com o mundo. Então a morte não existe para mim. Existe apenas sofrimento e dor. As pessoas muitas vezes confundem os dois - sofrimento e morte. Mas eu... talvez... pense diferente quando estiver frente a frente com isso um dia....

- Você acredita que é imortal?

- Ah sim, certamente. Estou seguro disso.

Nervos de Aço...

Encontro-me totalmente contemplado por esta composição...

Nervos de Aço
Lupicínio Rodrigues

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor
Ao lado de um tipo qualquer
Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço
Que nem um pedaço do meu pode ser
Há pessoas com nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação
Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, é despeito, amizade ou horror
Eu só sinto é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor.

City Life

A vida humana é barulhenta. Chamamos barulho, ou cidades, a esses grandes ajuntamentos de cubos onde os homens se amontoam. A noise é seu odor específico. Nápoles, Nova York, Los Angeles, Tóquio, essas são as terríveis músicas desse tempo.

É um naufrágio no céu.

"(...) quem anda de cabeça para baixo tem o céu como um abismo sob si".

Com mastros cantados, apontados para a terra,
seguem os destroços celestes.

Nesta canção de madeira
cravas os dentes com força.

Tu és flâmula
sólida de canto.

Eu te conheço...

(Eu te conheço, tu és a que se curvou profundamente,
eu, o perfurado, me sujeito a ti.

Onde uma palavra em chamas nos testemunhou?
Tu -toda, toda real. Eu - todo imaginação.)