terça-feira, 19 de junho de 2012

Joie, Alegria



A filosofia é mesmo apaixonante.
Deleuze foi apaixonado por ela.
Deleuze é apaixonante.
Deleuze vivia se lamentando.
Deleuze adorava as elegias.
Deleuze foi um filósofo alegre?
É possível.

ALEGRIA. um conceito de  Spinoza, que tornou a alegria um conceito de resistência e vida.

“Evitemos as paixões tristes e vivamos com alegria para ter o máximo de nossa potência; fugir da resignação, da  má-consciência, da culpa e de todos os afectos tristes que padres, juízes e psicanalistas  exploram”.

O que é a alegria?

Deleuze: vou simplificar muito, mas quero dizer que a alegria é tudo o que consiste em preencher uma potência. Sente alegria quando preenche, quando efetua uma de suas potências.

Exemplo: Eu conquisto, por menor que seja, um pedaço de cor. Entro um pouco na cor. Pode imaginar a alegria que isso representa? Preencher uma potência é isso, efetuar uma potência. Mas o que é equívoco é a palavra “potência”.

E o que é a tristeza?

É quando estou separado de uma potência da qual eu me achava capaz, estando certo ou errado. 
“Eu poderia ter feito aquilo, mas as circunstâncias... não era permitido, etc.”
É aí que ocorre a tristeza. Qualquer tristeza resulta de um poder sobre mim.  
O ruim é o menor grau de potência. E este grau é o poder. O que é a maldade? É impedir alguém de fazer o que ele pode, é impedir que este alguém efetue a sua potência. Portanto, não há potência ruim, há poderes maus. E talvez todo poder seja mau por natureza.
A confusão entre poder e potência é arrasadora, porque o poder sempre separa as pessoas que lhe estão submissas,  separa-as do que elas podem fazer.
“A tristeza está ligada aos padres, aos tiranos, juristas, psicanalistas...”
São pessoas que separam seus sujeitos do que eles podem, que proíbem as efetuações de potência.

E o que é este poder de padre e em que está ligado à tristeza?

Segundo Nietzsche, o padre se  define desta forma: ele inventou a idéia de que os homens estão num estado de dívida infinita. Eles têm uma dívida infinita. Antes, havia histórias de dívida, mas Nietzsche precedeu todos os etnólogos. Aliás, os etnólogos deveriam ler Nietzsche. Eles descobriram bem depois de Nietzsche que, nas sociedades primitivas, havia permutas de dívidas. Não funcionava tanto através da troca, como se pensava, mas por partes de dívidas: uma tribo tinha uma dívida para com outra tribo, etc. Eram blocos de dívidas finitas: eles recebiam e devolviam. A diferença com a troca é que havia a realidade do tempo. Era uma restituição  diferida. É importante! A dívida precede a troca. São questões filosóficas: a permuta, a dívida, a dívida que precede a troca. É um grande conceito filosófico. Digo filosófico porque Nietzsche disse antes dos etnólogos. Mas enquanto as dívidas têm este regime finito, o homem pode se libertar. O padre judeu invoca, pois, em virtude de uma Aliança, a idéia de uma dívida infinita do povo judeu para com Deus, e os cristãos retomam esta idéia de outra forma, a idéia de dívida infinita ligada a do pecado original. O personagem do padre é muito curioso. E cabe à Filosofia fazer o conceito. Não digo que a Filosofia seja atéia, mas, no caso de Spinoza que já tinha esboçado uma análise do padre, do padre judeu no Tratado Teológico-Político, pode acontecer que conceitos filosóficos sejam verdadeiros personagens. É por isso que a Filosofia é tão concreta. Fazer o conceito do padre é como algum artista faria o quadro ou o retrato do padre. O conceito do padre trazido por Spinoza, por Nietzsche e, depois, por Foucault, forma uma linhagem apaixonante. Eu também gostaria de entrar nesta linha e ver que poder pastoral é esse. Dizem que ele não funciona mais, mas quem o substituiu?

A psicanálise é um novo avatar do poder pastoral. Em que ele se define? 

Os padres não são a mesma coisa que os tiranos, mas eles têm em comum o fato de manterem-se no poder através das paixões tristes que eles inspiram aos homens. Do tipo:  “Arrependam-se em nome da dívida infinita, você é objeto da dívida infinita”. Por esse caminho, eles têm poder! O poder é sempre um obstáculo diante da efetuação das potências.

Eu diria que todo poder é triste. Mesmo se aqueles que o detêm se alegram em tê-lo. Mas é uma alegria triste. Sim, existem alegrias tristes. Mas a alegria é uma efetuação das potências. Eu repito: não conheço nenhuma potência má. O tufão é uma potência. Alegra-se na alma, mas não por derrubar casas, mas simplesmente por ser. Regozijar-se é estar alegre pelo que somos, por ter chegado onde estamos. Não se trata da alegria de si mesmo, isto não é alegria, não é estar satisfeito consigo mesmo. É o prazer da conquista,  como dizia Nietzsche. Mas a conquista não consiste em servir pessoas. A conquista é, para o pintor, conquistar a cor. Isso sim é uma conquista. Neste caso, é a alegria. Mesmo que isso não termine bem, pois nestas histórias de potência, quando se conquista uma potência, ela pode ser potente demais para a própria pessoa e ela acaba não suportando. Van Gogh!



Um bom desaniversário pra você!



"Twinkle, twinkle, little bat
How I wonder what you're at
Up above the world you fly
Like a teatray in the sky"

"Brilha, brilha morceguinho
Queria saber onde está você
Voa bem alto pelo mundo
Como uma bandeja de chá no céu."

segunda-feira, 18 de junho de 2012

discurso de aniversário


ONDE AGORA? Quando agora? Quem agora? Sem me perguntar. Dizer eu. Sem pensar. Chamar isso de perguntas, hipóteses. Ir adiante, chamar isso de ir, chamar isso de adiante. Pode ser que um dia, primeiro passo, vai, eu tenha ficado simplesmente alí, onde, em vez de sair, segundo um velho hábito, passar dia e noite tão longe de casa quanto possível, não era longe. Pode ter começado assim. Não me farei mais perguntas. Você só pensa em descansar, para agir melhor depois, ou sem segundas intenções, e eis que em muito pouco tempo já se está na impossibilidade de nunca mais fazer nada. Pouco importa como isso se deu. Isso, dizer isso, sem saber o quê. Talvez não tenha feito mais que ratificar um velho fato consumado. Mas não fiz nada de fato. Parece que falo, não sou eu, de mim, não é de mim. São algumas generalizações para começar. Como fazer, como vou fazer, que devo fazer, na situação em que estou, como proceder? Por aporia pura, ou melhor por afirmações e negações invalidadas à medida que são expressas, ou mais cedo ou mais tarde. Isso de uma forma geral. Deve haver outros expedientes. Senão seria um desepero total. Observar, antes de ir mais longe, ao adiante que digo aporia sem saber o que isso quer dizer. Pode-se ser efético de outro modo que à revelia? Não sei. Os sim e não são outra coisa, retornarão a mim à medida que progrida, e a forma de cagar-lhes em cima, mais cedo ou mais tarde, como um pássaro, sem esquecer um só.

Diz-se isso. O fato parece ser, se na situação em que me encontro pode-se falar de fatos, não apenas que eu vá ter de falar coisas das quais não posso falar, mas ainda, o que é ainda mais interessante, que eu, não sei mais, não faz mal. Entretanto sou obrigado a falar. Não me calarei nunca. Nunca.

O Inominável, de Samuel Beckett.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

possibilidade de destruição

pincéis


Sobre o verde carregado,
Traçado pelo dedo da vida:
O rasto luminoso da mão
Que agarrou a noite e a madrugada da palavra
Em redor da qual agora se ergue o brilho
Da gratidão de lonjuras reunidas -

Ao subir da tela,
Desejoso de mudança:
Um azul que tudo inunda.

Nas suas margens, branco como o dia:
O tempo desta imagem.

Que cresce como teu olhar quer.

senso prático



Com o vento pelas costas,
morro e apago-me
na grande monção.
É então que verdadeiramente vivo.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O poeta come amendoim



Brasil amado, não porque seja a minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão nosso onde deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas, amores, danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento muito pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir



poema:Mario de Andrade
leitura:Denise Stoklos

domingo, 10 de junho de 2012

Os anos de ti para mim

O teu cabelo volta a ondular-se quando choro.
Com o azul dos teus olhos, pões a mesa do nosso amor:
uma cama entre o verão e o outono.

Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu,
nem um terceiro:
Sorvemos o último vazio.

Miramo-nos nos espelhos das águas  profundas
e passamos mais depressa um a outro os alimentos:
A noite é a noite, começa com a manhã,
É ela que me deita a teu lado.