segunda-feira, 28 de setembro de 2009

As orelhas não têm pálpebras


"Todo o som é o invisível na forma do perfurador de envelopes. Que se trate de corpos, de quartos, de apartamentos, de castelos, de cidades fortificadas. Imaterial, ele atravessa todas as barreiras. O som ignora a pele, não sabe o que é um limite: ele não é nem interno nem externo. Ilimitante, ele é inlocalizável. Ele não pode ser tocado: ele é impalpável. A audição não é como a visão. O que é visto pode ser abolido pelas pálpebras, pode ser impedido pelo paravento ou pelo reposteiro, pode se tornar imediatamente inacessível pela muralha. O que é orelha não conhece nem pálpebras, nem paraventos, nem reposteiros, nem muralhas. Indelimitável, dele ninguém pode se proteger. Não existe ponto de vista sonoro. Não existe terraço, janela, torre, cidadela, ponto de vista panorâmico para o som. Não existe sujeito nem objeto da audição. O som penetra. Ele é o estuprador. O ouvido é a percepção mais arcaica ao longo da história pessoal, antes mesmo do cheiro, bem antes da visão, ele se alia à noite.

Acontece que o infinito da passividade (a recepção forçada invisível) se baseia na audição humana. É o que resumo nesta frase: As orelhas não tem pálpebras.

Ouvir é ser tocado à distância.
O ritmo está ligado à vibração. É por isso que a música torna involuntariamente íntimos os corpos justapostos".

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