terça-feira, 22 de junho de 2010

Saramago: ensaísta da lucidez


Antes de ontem, domingo, assisti uma reexibição da entrevista do escritor Saramago no programama Roda Viva - Rede Cultura. Foi gravada em 2003 pouco antes do escritor lançar o seu livro "Ensaio sobre a lucidez". Um livro que segundo o autor é essencialmente político. Um livro político, mas que não fala diretamente de questões como EUA,  Iraque, Palestina, nem do petróleo, nem 11 de setembro...Na verdade trata de todas elas sem mencioná-las explicitamente. Saramago afirmou que se considera um ensaista que não sabe escrever bons ensaios e por isso utiliza a literatura. As coisas as vezes se mostram bastante simples, disse o escritor.  Por exemplo: existem bases militares norte-americanas espalhadas em todo o planeta. São mais de 300 mil soldados espalhados em 140 países como mostra o mapa acima. Saramago pergunta: "E quantas bases militares estrangeiras existem em território norte-americano?" ... Obviamente nenhuma. Desde os tempos remotos, e a Odisseia de Homero é prova disso, o mundo é disputado por oligarquias guerreiras. A história política da humanidade (ocidental e  oriental) sempre foi a mesma. E atualmente? Vivemos uma democracia? Saramago provoca: a democracia é uma ilusão. Vivemos uma falsa democracia. Fala-se todo dia esta palavra e nem sequer a discutimos, nem sequer sabemos o que ela significa. Nem sabemos como representá-la. A república era representada por uma mulher de seios fartos e uma espada na mão. Não sabemos como representar ou simbolizar a democracia. Hoje, ironicamente,  pode-se discutir tudo. Nenhum tema é proibido. Tudo se discute nesse mundo. Menos a democracia. A democracia deveria ser amplamente discutida, debatida no mundo inteiro. Deveria-se abrir um debate global sobre a democracia. A geração de hoje, ao contrário da anterior, parece estar aí e não estar nem aí.  Parece não querer nada. Alguns focos de resistência surgem aqui e ali mas não duram muito tempo. Não são capazes de se organizarem e perdurarem por muito tempo. Se isso ocorresse talvez testemunhássemos o germe de uma revolução. O sistema já prevê esses focos e de certa forma precisa dar espaço a eles para forjar uma ilusão democrática. Um verniz democrático. Ao indivíduo só lhe é concedido o direito de eleger seus representantes políticos através do voto. Acima disso ele está excluído de qualquer participação e intervenção eficaz. O mundo está nas mãos das grandes corporações e organizações mundiais. Nesse nível o indivíduo encontra-se excluído, inoperante, ou melhor, o sujeito é sujeitado pelas instituições econômicas e financeiras. Aos contemporâneos desse sec XXI  penso que é preciso forçar um exercício de lucidez. Uma poética da lucidez ancorada em uma capacidade de organização. Há muita desorientação, desperdício, dispersão e descentramento nos meus pares, os jovens deste inicío de século que serão os que chegarão até o fim deste, ao contrário da geração anterior que viveu a transição, a contradição, os dois lados da moeda.  É preciso um esforço de sobriedade, de aspiração e lucidez. Responsabilidade individual e espírito coletivo. Do contrário não haverá vida. Apenas uma sobrevida arrastada com o tempo, a era  baça de uma sobrevivência bastante medíocre, cega, surda e inconsequente.
Uivemos, disse o cão.

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