sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ler de vagar

"Os homens desesperados vivem em cantos. Todos os homens que amam vivem em cantos. Todos os leitores de livros vivem em cantos."  Pascal Quignard.

A cerca de 5 anos atrás o brasileiro lia em média 1,8 livros por ano. Atualmente o brasileiro lê cerca de 4,5 livros por ano. A média dos europeus é de 10 livros/ano.
Em pesquisa realizada com 32 países acerca do nivel de leitura e compreênsão dos leitores,o Brasil ficou em último lugar, inclusive entre universitários. Conclusão: o brasileiro aumentou seu volume de leitura, mas apresenta sérias dificuldades em compreender o que está escrito. Sabemos que existem vários níveis de compreênsão, desde a mais superficial até aquela mais profunda em que se é capaz de apreender o que não está escrito, elaborar um síntese e com ela extrair algo que possa impregnar a vida, transformá-la e recriá-la. Os especialistas comprovam a utilidade da leitura. Afirmam que ela aumenta nossa capacidade cognitiva, enriquece as potencialidades imaginativas além de contribuir com nossa capacidade de raciocínio e de elaboração signica. No entanto sabemos do atraso e da problemática da educação no Brasil.  Talvez grande parte da nossa incapacidade de exercer os direitos cívicos, organizar-se políticamente e exercer a cidadania e a democracia de forma mais consciente e atuante, esteja ligada a essa raza cultura cognitiva que retarda a apreênsão e formulação crítica do pensamento.  Imaginar saídas, estratégias e novos horizontes para a realidade em que nos encontramos só pode ser ensaiado e exercitado através de atividades como a leitura, na reflexão e nas várias conexões e usos que a linguagem oferece. Além disso, gostemos ou não, grande parte da memória da humanidade está relatada e expressa nos livros. É um legado da experiência humana que não pode ser menosprezado. Contudo ler e sobretudo escrever, não é fácil. É pra poucos. Sim, ler é pra poucos. Não falo aqui da questão da problermática do acesso ao livro e do acesso à formação escolar que deveria orientar e preparar o individuo para enfrentar a leitura e os níveis mais complexos de compreênsão. Ler é pra poucos porque ler é uma atividade arcaica, que necessita um tempo que hoje não dispomos. A leitura requer tempo, é uma atenção dirigida, uma foma de concentração mental. Não é uma atividade intelectual estéril e alheia à vida.  É uma atividade extra-ordinária que dispara novas intensidades e matizes novos na experiência vivivel. Ler é correr um risco. Literalmente corremos os olhos sobre traços e grafias inscritas. Mas falo aqui de outro risco: o de "não fazer nada" que substitui uma experiência real, física e corporal, por uma atividade (a leitura) que é de certa forma é uma atrofia desse tipo de experiência "mais viva". Ela é um risco porque subtamente podemos nos deparar com algo que pode nos abalar profundamente, por em cheque nossos valores e alterar nosso modo de ser e pensar. Ela é um movimento sem sair do lugar. Uma viagem no tempo e no espaço sem tirarmos os olhos da página. Sentamos em uma poltrona e nos movemos. Levitamos, vagamos. Pensamos com o coração.  Ler é abalar a estrutura de um quadro de previsibilidades que nos conformam. Isso, obviamente, dá trabalho.  Exige atenção e esforços contínuos. O esforço e o trabalho paciente da leitura. Compaciência com esse outro. Forma amorosa e corajosa de relação. Toda leitura é um desafio à compreênsão. Esse é seu  atrativo. Perder esse tempo na leitura é retirar-se para uma zona de combate, uma distância provisória desse mundo, para uma zona de intensidades múltiplas que nos colocam diante de algo indireto e crucial. O escrito não se impõe. Ele se expõe. Diante da escritura  e por causa dela ficamos também expostos, com as veias abertas, coração na mão e cabeça sacudida. É com a língua que pensamos. E qualquer mudança relevante na ordem do dia só poderá ser conquistada com uma maior noção, descoberta à distância, da natureza das coisas, e isso só será alcançado com uma justa medida do tempo. O tempo, o cuidado e a atenção ao outro podem ser exercitados através do ato de  ler. Amor e amizade. Amantes e amigos, grandes ledores desse outro, do mundo, do aqui, do aquém e do além. Ler é estar sujeito aos encontros inesperados do diverso. Marcha errante, vagar. Toda leitura esfumaça a realidade. Quem lê um livro aberto lê um mundo fechado. O leitor se abre como esse livro que o toma em suas mãos, afundando-se nas letras. Ele se entrega ao livro como se dedicasse a uma antiga arte mágica; em um estado flutuante; em uma espera solitária e fora do tempo.

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