sexta-feira, 2 de setembro de 2011

ENTARDECER - K 488 Adagio

É tarde amor
É tarde para ser
Tarde para olhar-te de frente
Tarde para beijar-lhe o rosto no sorriso do tempo

Cá estou acometido por furores abstratos
Cá estou às costas, às tuas
Lançando suspiros de quem dura e sonha
De quem partilha as idades do céu e da terra
E das águas que inundam tudo

Bate e retorna os timbales do adeus
Bate no rosto o toque de tudo que volta
Aquilo que viaja e se enrosca em nós
Aquilo que nos sobrevive e devasta 

Levantei minhas pálpebras no fundo da noite
Lancei-me negro a negro em teus olhos
Vi a mulher nua no milagre de todas as coisas
E tu viste em mim a fé consumada
A celebrada certeza
De frágil lume nas mãos 

Brindamos o círculo presente
Erguemos os cálices futuros
Falamos dores leves
Calamos dores grandes
E com os dedos crepusculares
Escorregando pelas coxas
Desabamo-nos um sobre o outro
Destino sobre destino
Estremecidos e confundidos
Em camas amarrotadas
E lares estrelados

É quando eclipsamos longas e vastas ofensas ao mundo
Ofensas que abarrotam cidades em declínio
Ao mesmo tempo brutas e suaves
Em repetidas llibações de desespero
Sólidas solidões flutuantes
Rasgos elétricos
E tropeços bêbados

Sou o vento que lhe sopra às costas
Sou quem empurra o facho radiante de tua linguagem
Sou as folhagens que lhe balançam o verão
Sou quem cura a ferida da pedra, a sombra do dia
Sou a pétala adocicada de tua infância
Sou quem pede amor com olhos vazados de nascentes
Sou o dragão dardejante que te enleva a arte

A uma vagarosa mulher no mundo
Que agora amadurece o fruto da idade
Envio este meu presente, poemacto
Enlaço-me em teus cabelos e a ti despetalo

Na tarde do tempo cor de mel
Tarde de menos para dizer que alguém
Em algum lugar no mundo pulsa por ti
E lhe deseja reforços interiores
E terrenos habitáveis do sublime

Invento que é tempo de botões em flor
Tempo de esgotar a amada para ver
Como o amor trabalha na loucura
Tempo de levar a palavra para casa
Tempo de carregar a canção do fim dos tempos
Para as luas plácidas de teus lábios
E para as noites quentes de teu quarto

Reunir, expor e mudar tudo
De novo outra vez lá
No clamor da pele
No estertor dos ossos
No interior do seio

Aí onde vagueia em névoa
Teu mais secreto e álacre
Coração 
Que em ti e a mim
Estala
Persistente
Silente
Astra

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