A filosofia é mesmo apaixonante.
Deleuze foi apaixonado por ela.
Deleuze é apaixonante.
Deleuze vivia se lamentando.
Deleuze adorava as elegias.
Deleuze foi um filósofo alegre?
É possível.
ALEGRIA. um conceito de Spinoza, que
tornou a alegria um conceito de resistência e vida.
“Evitemos as paixões tristes e
vivamos com alegria para ter o máximo de nossa potência; fugir da resignação,
da má-consciência, da culpa e de todos
os afectos tristes que padres, juízes e psicanalistas exploram”.
O que é a alegria?
Deleuze: vou simplificar muito, mas quero dizer que a alegria é tudo o que consiste
em preencher uma potência. Sente alegria quando preenche, quando efetua uma de suas
potências.
Exemplo: Eu conquisto, por menor que seja, um pedaço de cor. Entro um
pouco na cor. Pode imaginar a alegria que isso representa? Preencher uma
potência é isso, efetuar uma potência. Mas o que é equívoco é a palavra
“potência”.
E o que é a tristeza?
É quando estou separado de uma potência da qual eu me achava capaz, estando
certo ou errado.
“Eu poderia ter feito aquilo, mas as circunstâncias... não era permitido, etc.”
É aí que ocorre a tristeza. Qualquer tristeza resulta de um poder sobre mim.
O ruim é o menor grau de potência. E este grau é o poder. O que é a maldade? É impedir alguém de fazer o que ele pode, é impedir que este alguém efetue a sua potência. Portanto, não há potência ruim, há poderes maus. E talvez todo poder seja mau por natureza.
“Eu poderia ter feito aquilo, mas as circunstâncias... não era permitido, etc.”
É aí que ocorre a tristeza. Qualquer tristeza resulta de um poder sobre mim.
O ruim é o menor grau de potência. E este grau é o poder. O que é a maldade? É impedir alguém de fazer o que ele pode, é impedir que este alguém efetue a sua potência. Portanto, não há potência ruim, há poderes maus. E talvez todo poder seja mau por natureza.
A confusão entre poder e potência é arrasadora, porque o poder sempre
separa as pessoas que lhe estão submissas, separa-as do que elas podem fazer.
“A tristeza está ligada aos padres, aos tiranos, juristas, psicanalistas...”
São pessoas que separam seus sujeitos do que eles podem, que proíbem as
efetuações de potência.
E o que é este poder de padre e em que está ligado à tristeza?
Segundo Nietzsche, o padre se define
desta forma: ele inventou a idéia de que os homens estão num estado de dívida infinita.
Eles têm uma dívida infinita. Antes, havia histórias de dívida, mas Nietzsche precedeu
todos os etnólogos. Aliás, os etnólogos deveriam ler Nietzsche. Eles
descobriram bem depois de Nietzsche que, nas sociedades primitivas, havia
permutas de dívidas. Não funcionava tanto através da troca, como se pensava,
mas por partes de dívidas: uma tribo tinha uma dívida para com outra tribo,
etc. Eram blocos de dívidas finitas: eles recebiam e devolviam. A diferença com
a troca é que havia a realidade do tempo. Era uma restituição diferida. É importante! A dívida precede a
troca. São questões filosóficas: a permuta, a dívida, a dívida que precede a
troca. É um grande conceito filosófico. Digo filosófico porque Nietzsche disse
antes dos etnólogos. Mas enquanto as dívidas têm este regime finito, o homem
pode se libertar. O padre judeu invoca, pois, em virtude de uma Aliança, a idéia
de uma dívida infinita do povo judeu para com Deus, e os cristãos retomam esta
idéia de outra forma, a idéia de dívida infinita ligada a do pecado original. O
personagem do padre é muito curioso. E cabe à Filosofia fazer o conceito. Não
digo que a Filosofia seja atéia, mas, no caso de Spinoza que já tinha esboçado
uma análise do padre, do padre judeu no Tratado Teológico-Político, pode
acontecer que conceitos filosóficos sejam verdadeiros personagens. É por isso
que a Filosofia é tão concreta. Fazer o conceito do padre é como algum artista
faria o quadro ou o retrato do padre. O conceito do padre trazido por Spinoza, por
Nietzsche e, depois, por Foucault, forma uma linhagem apaixonante. Eu também gostaria
de entrar nesta linha e ver que poder pastoral é esse. Dizem que ele não
funciona mais, mas quem o substituiu?
A psicanálise é um novo avatar do poder pastoral. Em que ele se define?
Os
padres não são a mesma coisa que os tiranos, mas eles têm em comum o fato de
manterem-se no poder através das paixões tristes que eles inspiram aos homens.
Do tipo: “Arrependam-se em nome da
dívida infinita, você é objeto da dívida infinita”. Por esse caminho, eles têm
poder! O poder é sempre um obstáculo diante da efetuação das potências.
Eu diria que todo poder é triste. Mesmo se aqueles que o detêm se alegram
em tê-lo. Mas é uma alegria triste. Sim, existem alegrias tristes. Mas a
alegria é uma efetuação das potências. Eu repito: não conheço nenhuma potência
má. O tufão é uma potência. Alegra-se na alma, mas não por derrubar casas, mas
simplesmente por ser. Regozijar-se é estar alegre pelo que somos, por ter
chegado onde estamos. Não se trata da alegria de si mesmo, isto não é alegria,
não é estar satisfeito consigo mesmo. É o prazer da conquista, como dizia Nietzsche. Mas a conquista não
consiste em servir pessoas. A conquista é, para o pintor, conquistar a cor.
Isso sim é uma conquista. Neste caso, é a alegria. Mesmo que isso não termine
bem, pois nestas histórias de potência, quando se conquista uma potência, ela
pode ser potente demais para a própria pessoa e ela acaba não suportando. Van
Gogh!
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